As recentes pesquisas e descobertas arqueológicas sobre a época e o local em que Jesus Cristo – antes conhecido por Jesus de Nazaré – viveu têm revelado, ao longo das duas últimas décadas, que de um ponto de vista estritamente histórico o Nazareno foi mais um entre muitos profetas que pregaram pela região da Palestina durante o Império Romano. Para cientistas e estudiosos, não há relatos nem evidências físicas suficientes para comprovar de fato as grandes façanhas descritas nos quatro evangelhos do Novo Testamento. Os feitos de Jesus considerados milagres, os exorcismos, profecias e ensinamentos atraíam sim muita gente, mas é provável que não se tratasse de multidões. E todo o episódio da crucificação, sob uma ótica cética, não passou de um rotineiro ritual de sacrifício que os romanos reservavam não para inimigos especiais, mas para contraventores da lei originários de classes baixas, escravos ou estrangeiros.
Como explicar então a transformação de um humilde e obscuro profeta na peça central da fé que tem mais adeptos em todo o planeta – cerca de 2 bilhões de cristãos, ou um terço da humanidade? E por que o cristianismo vem resistindo com surpreendente vitalidade às mudanças dramáticas por que o mundo passou nesses dois milênios, tendo na verdade o papel de grande força escultora da civilização ocidental?
As muitas respostas possíveis para as duas perguntas devem, invariavelmente, considerar a originalidade absoluta da proposição básica de Jesus: a paz e o amor ao próximo. Trata-se de uma mensagem muito forte para o tempo em que o profeta caminhou pela Terra – tempo de divindades pagãs de moral duvidosa, em que se festejava o aniversário do filho do imperador lançando homens e mulheres às feras, por exemplo. No entanto, a mensagem não pode ser encerrada somente àquela época. Não há supostamente nenhum problema social no mundo individualista e esquizofrênico de hoje – dos conflitos no Oriente Médio à exploração do trabalho infantil em países pobres de Ásia e América Latina – que não poderia ser revisto - e até resolvido - se encarado sob a ótica da misericórdia e da caridade cristãs.
Jesus trouxe o ensinamento de que a misericórdia e a caridade são virtudes cardeais, e que não é possível agradar a Deus a não ser que nos amemos uns aos outros – não só à família, à tribo ou aos cristãos, mas também aos que estão fora desse círculo e porventura sejam nossos inimigos. A popular máxima que diz “se alguém lhe dá um tapa numa face, ofereça também a outra” (Marcos 6:29) é uma das normas revolucionárias propostas pelo Cristo. Não importa que a adoção da corajosa postura possa levar um seguidor do profeta a doses de sofrimento que beiram o insuportável – como muitas vezes os levaram, entre grandes personagens bíblicos e católicos fervorosos. No momento em que Jesus estabelece que todo o sofrimento será compensado em um mundo superior, junto a Deus, quem poderá atingir o fiel do lado de lá? Que força poderá derrotar um cristão se a luta com ele não se trava neste mundo, como se travava para os romanos? Eis aí uma idéia que, quando fielmente seguida, não permite que nenhum argumento ou violência demova alguém de sua fé. Não contente, o cristianismo ainda estabelece que a salvação está a um arrependimento de distância. Tudo e todos podem ser perdoados se arrependidos de seus pecados. A mensagem é universal, e os seguidores da crença aceitarão entre eles toda e qualquer pessoa que estiver disposta a seguir a palavra de Cristo, sem discriminação.
Ao contrário da auto-suficiência pretendida pelos romanos – e, por que não, pela civilização ocidental de hoje em dia com um todo -, Jesus pregava a mais absoluta comensalidade, sem distinções entre homens e mulheres, pobres e ricos, gentios ou judeus, poderosos ou párias. Foi em cima deste princípio que o cristianismo foi fundado – e somente por ele é que prevalece até hoje, mesmo que dividido entre incontáveis seitas, das quais o catolicismo é ainda o ramo mais forte. Os ensinamentos de Cristo talvez não tenham levado à fundação da primeira religião que era, acima de tudo, um instrumento de fraternidade. Mas foi a primeira a colocar como virtudes supremas a compaixão e a caridade que tantos cristãos praticam e praticaram.
A Paixão e a Ressurreição de Cristo, tão adoradas pelos cristãos quanto desacreditadas por seus detratores, devem ser vistas apenas como a confirmação da divindade de Cristo, para aqueles que nela decidirem acreditar. Contudo, sua pregação e a revolução ética que ela instaurou é que são os verdadeiros pontos de união entre os cristãos e, possivelmente, entre cristãos, membros de outras religiões e mesmo ateus.
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